quinta-feira, 21 de outubro de 2010

Ódio

Ódio do medo que tive
Que me tem;
Do tempo que não volta
Nem uma vez e muito menos duas;
Das tardes póstumas que foram vazias;
Dos caminhos percorridos
Sem o elo manual.

Ódio de sentido que fui
Sem sentir que queria ter;
Do tamanho do mundo gigante
E de maiores serem os sentimentos.

Ódio de ter que morrer
Pra saber que vivia;
De ter que arrepender
Pra saber o que queria.

Ódio do chão que me fugiu aos pés
E da queda no abismo da insegurança.

Ódio do medo que tive
Que me teve
Que me tem;
Do amor que destruí
Pra saber que existia.

segunda-feira, 18 de outubro de 2010

Chuvoso

É da chuva o cheiro
Terra molhada
E o sabor de raiz
No vento que anuncia o choro do céu.

O dia enoitece precoce
E as nuvens carregadas
Com canções de ninar qualquer marmanjo.

Da pipoca ao edredom e "Sessão da Tarde",
Mas lá fora passarinho foge,
Espera o barro que vai ser morada.
Siririca dorme,
Pra depois perder a asa
De tanto beijar luz
E acabar sendo formiga.

Santo mormaço que sol vem trazer
Depois do balé das gotas
Sinfônica dos pingos.
Não fosse assim,
Sem mais flashes relampeais seria.

terça-feira, 12 de outubro de 2010

Aos Pássaros Não Escrevo

Aos pássaros não escrevo.
Não que não queira,
É que pouco os vejo livres.
Só engaiolados.

Aos pássaros não escrevo.
Da infância pouca memória tenho,
Daqueles que ainda voavam.

Aos pássaros não escrevo.
Não merecem minha escrita triste
Já que seu canto de núpcia
Se deprime na jaula que vivem.

Aos pássaros não escrevo.
Não que não consiga,
É que me faltam palavras.

Aos pássaros não escrevo.
Penso que merecem mais;
Mas protesto meu,
Hoje de pouco vale.

Aos pássaros não escrevo.
Tento entendê-los: Aflitos, acuados, com medo
Até mesmo de serem livres.

Aos pássaros não escrevo;
Nem às arapucas e queimadas,
Estilingues e espingardas,
Alçapões ou qualquer armadilha.

domingo, 10 de outubro de 2010

Sonho Meu

Nada que sei que sou bem
Tudo que sei que nem sou
Aquilo que jamais serei
Reflete o que eu tentei ser

Se tudo que jamais será
É nunca que nunca vai ser
E sabe que tem de existir
Porque nunca vou desistir

Sempre será o que não quis
Querer o que sempre não foi
Pensar que um dia seria
Fez ser pensamento que tem

Isso que imaginou
Real pra quem vê nunca foi
Só sente que sempre existiu
Quem sonhou o que nunca foi

- Nunca foi?
- Foi!

Só sabe que um dia existiu
Aquele que já se feriu
Se nunca o fez a si mesmo
Alguém ou a alguém o já fez

Chora porque ainda demora
Pensamento que não vai embora
Não sabe se sonha o que vive
Não sabe se vive o que sonha

quarta-feira, 6 de outubro de 2010

Sentimenticídio

Eu vejo tudo escrito
Nos pregos que o faquir se deita
Encima das cabeças
De quem se ignora.
Com repulsa ao outro
E ojeriza ao mundo
Não se sabem nem se vêem,
Só se deprimem
Morrendo todo dia mais um pouco.

A esse cotidiano batizei suicídio:
Sentimenticídio.

- Sol?
- Lua?
- Estrelas?
- Isso existe ainda?

O que falta é desfibrilador
Pra que o coração do mundo
Volte a girar.
Não mais: fibrilado.